domingo, 22 de novembro de 2015

Precisa-se médico cardiólogo


O 12 de novembro minha irmã chegava a Paris desde Rabat (onde mora). Enviava-me um whatsapp em que me dizia que acabava de recolher na caixa de correio  o livro cuja foto ponho aqui. É um livro cuja edição espanhola tenho desde os anos 90, quando ainda era estudante de filosofia na Faculdade. Um leitor de Nietzsche que lia Al Sulami não encaixava no modelo mas tem a sua lógica, podem estar certos. Desde então não tenho um especial interesse na filosofia ocidental. Para exprimi-lo de um jeito simples, acho que está poluída por um excesso de "ego". Isto podería estender-se aos produtos culturais. Não se trata só dos conteúdos mais ou menos racionais quanto uma certa "emanação" pesada, obscura, um virus que provoca uma  terrível doença ego-maníaca, pode ser sutil, pode ser patente mas está aí. Terrível. Quando notamos isso em nós, quando notamos o perigo em que estamos é preciso tomar medidas. Existe uma "transferência sutil" que vai além do aparente conteúdo, é como um alimento ou um ar. Precisamos respirar outra cousa. Quando tomamos um jornal nas mãos ás vezes podemos sentir um cansaço ou simplesmente como uma certa náusea. Não é momento de ler. Deixamos a um lado.

Como escreve Sayd Bahodine Majrouh no seu livro " O riso dos amantes":

Amigos, porquê seres inteligentes caim tão facilmente na trampa do Dragão? 
...
Não tenháis medo mais que de vós mesmos
enfeitiçados amigos
Bem sabéis que o Dragão do horror 
habita no vosso coração
é de ali de onde vem a tormenta
é ali onde nascem os dragões
Não tenháis medo mais que de vós mesmos 
se vos seduz o horror!
Os loucos que vos assustam estão menos tolos que os reis!  

Certo que isto vem a propósito do que aconteceu em Paris. Não há muito que dizer, realmente. Mas leva-me a pensar que se um virus fosse introduzido na população dificilmente o poderiamos combater com ideologias, com consignas, com dialéticas ou com armas. Procurariamos a ciência médica, procurariamos um bom médico.

É uma doença que ataca o coração. Precisamos de um cardiólogo, de um bom cardiólogo.

sábado, 23 de maio de 2015

Duas lembranças pessoais: sobre os muçulmanos.

Quando ainda era um estudante conheci um sociólogo valenciano que foi durante muitos anos professor de sociolingüística na Universidade de Barcelona. Um homem brillhante, extraordinariamente inteligente.  Falava muitas línguas, admirador da cultura anglosaxónica, conhecedor das histórias mais surpreendentes e estranhas da cultura europeia, era ademais  um grande admirador do mundo latino. O seu sentido crítico era agudo e tinha viajado por muitos paises do mundo. A primeira vez que o conheci lembro que foi na casa de um amigo, na Corunha. Estivemos a conversar umas duas horas e depois descimos á rua para dar um passeio. Nunca o disse a ninguém mas houve um instante em que senti um forte e intenso "amor"de jeito que tive que conter-me para não dar-lhe um abraço diante da sua esposa num momento em que estávamos a falar na rua. Eu teria uns 20 ou 21 anos e  era a primeira pessoa na minha vida que me tinha tocado de aquele jeito. Era assombrosa a sua capacidade de jogar com os paradoxos, de questionar os lugares comuns. Eu conectava com uma inteligência, que me deleitava. Não se tratava só da erudição, que era imensa, mas do jeito tão fora do comum de estabelecer relações e a maneira humorada de o fazer. Ele moveu em mim algo que descolocou tudo o que eu sabia até então. Passaram os anos  e eu fiz a minha própria evolução. Perdimos o contato durante muito tempo até que um dia o recuperamos via internet. Falei-lhe de tudo o que me tinha acontecido e numa altura falei-lhe do sufismo, do importante que tinha sido encontrá-lo. Do importantíssimo trabalho do Idries Shah. Ele não me disse se conhecia o trabalho do Idries Shah mas respondeu-me algo assim:

- Conheço o sufimo por serendipity. Há qualquer cousa extraódinaria no sufismo, o exemplo de uma atitude aberta e integradora, de grande sabedoria num contexto fortemente fanático. Eles são os autênticos cristãos no meio do dogmatismo muçulmano.

A resposta tinha mais matizes e era mais interessante mas destilava um não dissimulado despreço perante o mundo muçulmano. Recordei então como nas nossas conversas de anos atrás ele tinha feito críticas á figura de Muhammad. Eu mesmo aceitara aquelas críticas pois era eu um jovem anti-religioso e desconhecia tudo sobre o Islão. Mas agora era diferente. Não fui capaz de me ressistir a lhe responder ironicamente, um pouco no seu próprio estilo:

- Ainda bem que ficam cristãos entre os muçulmanos por que entre os cristãos temos que reconhecer que é impossível encontrá-los.

Conto isto porque é surpreendente a lavagem de cérebro que a cultura ocidental chegou a fazer sobre o mundo islâmico e a sua influência, borrando a memória da sua aportação. Há um chauvinismo, um orgulho sem sentido na classe intelectual ocidental. Há pouco ouvi dizer a um intelectual inteligente e estimável em muitos aspectos que ele proibiria o Corão. O que me parece horroroso é o grau de ignorância que isso supõe. Os intelectuais que se autroproclamam laicos e progressistas estão indefesos perante o fanatismo que pretendem combater: eles estão reagindo, simplesmente. Não há qualquer posição ativa. Neste sentido o ateismo de Nietzsche é imcompreensível  para eles. Seria um ateísmo com o que um sufi poderia tratar. Aqui acontece o que na Idade Meia: os que antes eram teólogos que condenavam a um Ibn Arabi são agora intelectuais e cientistas positivos que adotam posturas similares perante o que está muito além de eles. E o grave é que isto é sintomático da degradação intelectual e cultural de Europa. É precisso dizer: cultivem-se realmente, aprendam, percam esse orgulho e, aceitem, socraticamente, que realmente não sabem. Não importa quantas enciclopédias levem acima, inclinem-se alguma vez na vida perante o grande mistério. Sintam o coração e tirem as suas gravatas e trajos  mentais.

A outra história é do meu avô. Era a a Guerra civil espanhola e ele estava no bando de Franco. Ali tinha feito amizade com um marroquino chamado Ahmed. Mas aqui não quero tratar a questão política. Eles estabeleceram uma cumplicidade, um tipo de amizade especial. Ás vezes rezavam juntos, cada um na sua confissão. Um com o tasbi, outro com o rosário. Meu avó era afeiçoado á fotografia, de fato era um artista e um muito bom pintor também. Um dia Ahmed acercou-se a ele e disse-lhe que voltava uns dias á sua  aldeia, visitar a sua família, precisaria ele algo, queria que lhe trouxesse alguma cousa?. Meu avô disse-lhe que se por acaso passava por Ceuta ou Melilha seria tão amável de trazer-lhe umas placas fotográficas? Mas só se coincidia.
Quando Ahmed estava de volta tinha as placas fotográficas para o meu avô. Tudo bem, parecia.
Mas o meu avô observou nos dias posteriores uma estranha atitude dos outros marroquinos para com Ahmed. Tentou averiguar que acontecia e descobriu que os outros mouros estavam a ridiculizar a Ahmed pelo que consideravam uma mostra de servilismo perante o meu avô, pois Ahmed tinha andado oitenta km. para lhe conseguir as placas. 
Meu avó foi falar com ele:
- Ahmed, como fizeste oitenta km para me conseguir as placas? Não era necessário. Era só se te coincidia passar
Ahmed respondeu:
- Não faças como eles, eles não sabem. Mas tu...Pensei que fosses um irmão na fe. Deixa-o. Esta é uma questão entre Deus e mim. Esquece-o.

A lição chegou até mim quase cinquenta anos depois de que acontecesse, de jeito que os oitenta km de Ahmed tiveram, depois de tudo, a sua razão de ser. Porque a lição continua...

segunda-feira, 2 de março de 2015

O último rei de Portugal





I

Estava para me mudar da Avenida D. Sebastião, na Costa da Caparica, para a cidade de Lisboa. Tinha procurado na Faculdade vários telefones de aluguer de quartos e tinha realizado algumas chamadas. Ainda ficavam dous por contatar. Aquele dia perdi-me pela cidade como baralhando as diferentes possibilidades que tinha por diante. Como escolher o lugar certo?, como seriam as novas pessoas com as que viveria? As perguntas davam voltas insistentemente e eu devia tomar uma decisão já.
Desde o castelo de S. Jorge olhava a cidade, pensativo. O antigo castelo árabe era um lugar no que costumava passear. Em aquela época era de entrada livre e muitas vezes pensava que ali estivera a viver Joana a Beltraneja, a Excelente Senhora como era conhecida dos portugueses. Joana foi a rainha legítima de Castela cujo trono foi usurpado por Isabel a Católica. Era sobrinha de Isabel e é uma história onde a razão de estado se impus pelo gênio maquiavélico (há que reconhecer que tinha talento) de Fernando. Os nobres galegos que apoiaram a Joana foram “borrados do mapa” e Isabel morreu com grandes sentimentos de culpa com respeito a Joana. Ainda no século XIX e XX foram destruídos documentos comprometedores da história oficial que confirmavam a legitimidade de Joana. Mas eu devia fazer um telefonema para escolher quarto. Onde moraria?
Foi então que ouvi o nome de Egas Moniz. Dous homens passeavam e um disse em voz alta o nome de Egas Moniz. Foi o único que ouvi mas foi suficiente para me dar uma pista. De algum jeito senti que tinha que telefonar para perguntar por um quarto que ficava perto do metro de Martim Moniz. Hoje sei que não há qualquer vínculo entre Martim Moniz e Egas Moniz mas pode que na altura eu precisasse uma mínima indicação para me decidir. Senti que eu ia morar perto de Martim Moniz e assim foi.
Passei a morar nas Escadinhas da Saúde, um nome irónico, pois o número de escadas que um tinha que subir em aquela rua era imenso, e tendo em conta que morava num quarto andar de uma casa antiga sem elevador, na verdade, ou te convertias num atleta de fundo ou não dormias na casa...
Lorcan era um irlandês com o que simpatizei imediatamente. De um jeito indefinível mas muito evidente para mim havia certo parecido entre nós. Mas pode que não fosse capaz de especificar em que, se alguém me perguntasse. Era uma sensação interna. Lorcan acedeu imediatamente a me alugar um quarto. A nossa conexão celta, eu deixei clara a minha galeguidade, foi o “detalhe” que selou o nosso contrato, verbal, of course.
Eu costumava ir desde a Mouraria até S. Pedro de Alcântara. Desde o miradouro eu via o Castelo de S. Jorge sobre a cidade com um grande cartaz pendurado, dia trás dia, sempre a mesma frase:

Os mouros voltaram a trabalhar.

Começaram os trabalhos de restauração do Castelo de São Jorge e não podia deixar de sorrir cada vez que via aquela frase anunciada ao mundo. Quem estava detrás de aquela frase? Enfim...eu continuava até a praça do Príncipe Real onde um magnífico cedro de Buçaco a presidia, embora começasse a mostrar os primeiros signos de doença. Ali fazia uma paragem durante um tempo antes de me adentrar no Real Jardim Botânico á beira da faculdade de Química. Muitas vezes fazia isto mas cada dia era diferente... e um bom dia, enquanto bebia um café com leite no miradouro de Santa Catarina, o miradouro do Adamastor, ouvi uma conversa:
- O Egas Moniz era uma besta!. Grande honra para os portugueses que lhe deram o Nobel! Ainda não o deram a um poeta mas a uma besta deram-lhe o Nobel e... de medicina.!
Um homem corpulento de bigodes amplos, que lembravam um Kaiser, riu abertamente e sem complexos, porém não fez comentário algum. Era o doutor Castro e uns minutos mais tarde eu estava a conversar com eles explicando a minha curiosidade por saber quem era Egas Moniz.
 O doutor Castro era de origem galega e explicou-me que ele tinha estudado com Egas Moniz, quem foi pioneiro na técnica da lobotomia para certas psicoses. Fiquei perplexo. Mas o doutor Castro assegurou-me que ele nunca concordara com essa técnica, nem com toda a medicina positivista tão em boga. Trabalhara com Egaz Moniz sendo muito novo por recomendação do seu pai, um médico galego refugiado da ditadura franquista, mas ele era um psiquiatra da escola humanista. Conhecera pessoalmente Rof Carvalho e fora um dos primeiros introdutores do pensamento de Carl Gustav Jung em Portugal, a quem conheceu num dos encontros Eranos em Ascona. Certamente ele era um homem que transmitia uma sensação de confiança e familiaridade. Um não tinha a impressão de estar perante alguém que tentasse transmitir uma imagem determinada. O seu amigo era o advogado Daniel Sarmento, poeta e escritor em vários jornais lisboetas, um homem irónico e brincalhão. Falamos durante horas e ainda me encontrei com o doutor Castro em três ocasiões antes de deixar Lisboa.
Quando nos despedíamos aquela tarde, o doutor Castro virou-se para mim, que já ia algo longe, e disse em voz grave e sussurrante:
- Há outro Egas Moniz! O aio de Afonso Henriques.-  E já não voltei a vê-lo até passada uma semana.


II

Ofélia, na altura minha namorada, ia-me visitar no meu novo domicílio durante a Páscoa. Eu estava um pouco incômodo porque o quarto não reunia umas condições ótimas. Aliás, a cama era estreita demais mesmo para uma pessoa delgada como eu. Que dizer de duas! Tinha uma tábua rota que fazia um rangido queixoso e lamentável, de jeito que eu não me mexia lá com muita esperteza. E estas eram as minhas metafísicas preocupações! Mas que podia fazer!.
Um dia desci ao café dos alfarrabistas, um lugar de fumo e cigarros, de homem idosos que contavam milheiros de histórias sobre a maneira em que conseguiram edições estranhas. Conheciam ao doutor Castro, um cliente habitual e um bibliófilo reconhecido. Pouco depois chegava o doutor, quem me tinha citado lá. Foi ele o que me apresentou alguns dos velhos alfarrabistas do café.
- Quero mostrar-lhe algo que me trouxe o meu amigo Fernando- e olhou para o alfarrabista mais velho, de quase noventa anos, de um olhar inteligente e uns impressionantes e vivos olhos verdes. Pode que goste – continuou -  pois tem certos interesses no assunto.- E tirou então várias revistas que se intitulavam:


Dicionário das literaturas portuguesa, galega e brasileira.
Direcção de Jacinto do Prado Coelho

Fiquei surpreso pois desconhecia essa tentativa de unificação, aliás nunca tinha ouvido falar dela na Galiza. Suponho que o nacionalismo galego acharia uma estranha manobra de assimilação lisboeta. Enfim, sempre tinha sentido uma certa irritação com os nacionalistas e agora sentia que a ideia de que em Portugal não se fazia nada pela Galiza não só não era justa mas aqui havia uma mostra de todo o contrário. Incluir á Galiza em pé de igualdade com Brasil e Portugal era mais que justo: era francamente generoso!
- Podia explicar-me como via o relacionamento entre galegos e portugueses, perguntei, porque era um tema que me tinha interessado desde muitos anos atrás e não alcançava a compreender esta fonte de pesquisa sociológica ilimitada.
- Posso e quero! – disse Castro -. Basicamente é um relacionamento complexado por parte da Galiza e dos galegos. Os posicionamentos extremistas querem desfazer-se sempre das responsabilidades e do lugar histórico que lhe corresponde com todas as consequências. Os galegos não podem simplesmente optar por uma parte da história em detrimento da outra. Têm que assumir ambas e levar ambas até as últimas consequências. Os galegos que têm uma forte afinidade com Portugal sempre o fazem renunciando á sua espanholidade e isto é um complexo, uma falta de maturidade histórica. Têm que tomar e dar em ambas vertentes. Então os portugueses tomariam a sério aos galegos, pois, no fundo, os portugueses gostam dos espanhóis, retóricas a um lado, e a razão é que há uma certa complementariedade entre o espanhol e o português. Não se fiam dos que mostram ressentimento, esse é o problema. E esta é a frustração dos nacionalistas galegos de diverso tipo com Portugal. De modo geral o português não gosta do nacionalismo espanhol mas tampouco do nacionalismo galego.  E os galegos deveriam tomar a responsabilidade, com lealdade para com Espanha e Portugal, de ser o lugar de uma autêntica reconciliação histórica mas sem exigências de curta política. Não há nada que impeça aos galegos fazer isso. Só os próprios complexos. E falo como galego!
- E os que afirmam a Espanha e negam a Galiza? – gaguejei.
- São pessoas que se avergonham do que são. Buscam sempre realizar-se no mundo das aparências. Carecem de presença.
- Afirmar a Galiza implica também tomar de Portugal?
- Portugal e Galiza formam um Símbolo, simbolizam um com o outro. Pode que haja um erro histórico na maneira em que Afonso Henriques lutou contra a sua mãe. Mas o que foi já foi...
- Ás vezes parece que certos problemas se estendem no tempo, repetindo-se de diferente jeito, com diferentes máscaras.
O Doutor Castro sorriu e, de súbito, mudou de tom, parecia mais tranquilo. A sua voz grave e pausada e os seus olhos bondosos expressavam paz interior.
- Trata-se de metáforas mais ou menos afortunadas. Há um impulso nobre, isso devemos seguir. As pessoas evoluímos a partir de algum tipo de molde, depois o molde é preciso rompê-lo. Temos que crescer - e respirou profundamente- . O resto é só literatura.
Levei as revistas comigo. Lorcan estava á minha espera. Explicou-me que a vizinha queria falar comigo já que estava a fazer uma mudança de mobiliário.  Chamei á sua porta e uma velha encantadora saiu ao meu encontro:
- Meu filho, es espanhol?
- Sim. Enfim, mais exatamente galego.
-Ah, galego, que bom. Meu chefe era galego, um médico tão generoso! Conheço a Rosalia de Castro, a Curros Henriques, ele gostava de lê-los aos seus pacientes. Há tantos galegos em Lisboa! Mas a questão é: queres uma cama de casal!
- Como?
- Tenho que me desfazer da minha cama de casal e antes de atirá-la quero saber se alguém a precisa.

- Na verdade sim, eu preciso.
- Pois está feito.

E assim foi que a cama de casal de esta encantadora mulher chegou ao meu quarto em Escadinhas da Saúde.

 III           
       
O consultório do Dr. Castro ficava na Rua do Jasmim, uma casa antiga com azulejos já gastos mas que oferecia um sensação de intimidade e acolhimento. A casa estava recoberta por livros que segundo Castro atuavam como um bom isolamento para os ruídos do exterior. Assim os pacientes podiam sentir calma e proteção, algo muito agradecido com aquelas pessoas que chegavam a ele, ás vezes, com importantes perturbações psíquicas. Que a sua casa fosse uma imensa biblioteca, labiríntica, cheia de volumes, alguns antiquíssimos era também um símbolo da nossa mente.
- Pode pensar que todo o conhecimento necessário para desenvolver uma vida sábia está aqui mas... por onde começar?- começou a falar Castro. Eis a questão. Se não tiver uma guia pode ficar pior do que não sabendo nada. Muitos dos pacientes que recebo são pessoas muito desenvolvidas intelectualmente mas, ao mesmo tempo, têm uma terrível confusão. De algum jeito a biblioteca é um lugar de recepção que confirma a minha validez para todos eles. Isto permite que eles estabeleçam o ligame de confiança necessário. Evidentemente eu quase nunca falo de questões intelectuais com eles. A biblioteca é o contexto.
Também havia um jardim. Ninguém poderia imaginá-lo desde a rua. Era um estilo de pequeno jardim inglês interior. Havia um cuidado lá que parecia completamente casual. Mesmo o descuido parecia obedecer á alguma intenção. Podiam ver-se também algumas esculturas, desenhos geométricos, alguns a meio fazer. O tempo morno daquela tarde fazia agradável a nossa conversa enquanto bebíamos um chá. Queria conhecer algo sobre a experiência profissional e numa certa altura perguntei qual era a sua perspectiva sobre a cura. Como entendia a psicoterapia? Houve um longo silêncio do Dr. Castro. E começou a falar:
- Não podemos responder com palavras ao que perguntamos com palavras mas ficar calado também não adiantaria muito – e rimos ambos pelo jeito humorado em que o disse. Contarei um conto, que acho que pode dar luz de um jeito direto e indireto a um tempo.
- Houve uma vez um justo e generoso rei que tinha três formosas filhas, luz e alegria  dos seus olhos. Um bom dia ele fez uma estranha declaração:
“Tudo quanto possuo é vosso ou o será algum dia. Sou a causa da vossa existência, sinto a responsabilidade da vossa felicidade ou da vossa desgraça, o vosso destino depende inteiramente das minhas decisões. Muitas vezes pensei que seria diferente se fósseis varões mas é consubstancial á alma feminina  esta dependência e quero que saibais que não me pesa este fato pois a vossa doçura me compraz e sou e serei sempre feliz na vossa companhia”
Duas das filhas ficaram satisfeitas com esta declaração mas a terceira dissentiu:
- Querido pai, sabeis da minha obediência e do amor que vos professo mas não posso ficar em silêncio perante semelhante incoerência, que atentaria contra as leis proporcionadas pelo Criador. Perdoai-me, senhor, mas não posso aceitar que o meu destino dependa de uma decisão humana, mesmo que tenha a grandeza e o selo do meu pai, o rei.
- Isso já se verá -  disse o rei, que atacado no seu orgulho  mandou encarcerar á sua própria filha durante anos.  De vez em quando ia visita-la e dizia:
- Continuas a pensar que es tu quem decide o teu destino e não o teu pai, o rei?  Mas ela nem lhe respondia.
Um bom dia a paciência do rei esgotou-se e decidiu libertar á princesa num infame deserto próximo ao seu reino, onde todo tipo de animais selvagens e seres excêntricos mal-viviam. Deixá-la no cárcere começava a pesar-lhe, o próprio povo começava a murmurar. Pô-la no deserto era um jeito de obrigá-la a pedir ajuda, de voltar-se para o seu próprio reino, de reconhecer a necessidade da sua família. Ali não teria o alimento que lhe levavam tranquilamente na cadeia.
A princesa pensou enlouquecer ao principio. Cantava canções  e murmurava estranhas palavras. Parecia uma indigente, uma mulher muito mais velha, uma espécie de bruxa. Realmente quase não parecia humana mas a pouco e pouco foi encontrando uma cova onde dormir, num pequeno oásis encontrou agua e tâmaras. A que outrora foi princesa real era agora uma camponesa selvagem mas gozosa e viva. Na chegada do verão tinha feito uma casa, obtinha frutos e muitos animais a conheciam e respeitavam. Ela pensou que, com certeza, nada disso era controlado pelo seu pai.
Um dia apareceu um ginete, um homem de grande riqueza e inteligência, que ao ver a semelhante ser percebeu algo mais que uma simples camponesa. Havia uma presença real na sua dição, nos seus gestos. O coração do ginete ficou apaixonado e começaram um idílio. A princesa apaixonou-se da sua nobreza e da sua percepção.
Em breve tempo o que outrora tinha sido um deserto, era agora uma  próspera cidade. Muitas pessoas e seres excêntricos se integraram perfeitamente. Os que eram considerados inúteis na cidade ali eram grandes artistas, poetas ou grandes artesãos. Havia músicos, pintores e cientistas. Todos decidiram que a princesa e o seu esposo fossem os reis de aquele singular país.
A fama chegou a ao reino do pai, quem curioso de ver o que ali se passava decidiu ir em comitiva, a presentar os seus cumprimentos aos novos reis de tão maravilhosa nação de paz e justiça que tinha surgido aos pés do seu próprio reino.
Quase arrastando-se até o trono dos novos reis o velho rei pôde ouvir como num longo sussurro as palavras pronunciadas pela sua própria filha:
- Podes ver, Pai, que cada homem e cada mulher tem o seu próprio destino e a sua própria eleição.”

Durante um tempo ficamos em silêncio e senti que não tinha nenhuma pergunta a fazer. Em certo modo a minha “consulta” com o Doutor Castro tinha chegado ao seu fim.

Quando cheguei á Escadinhas da Saúde encontrei a Lorcan na entrada do portal.

- Acabo de estar com o dono do prédio para pagar-lhe a mensalidade. Sabes o que ele me disse?
- O que?
- Pois que estamos a morar onde viveu o  que matou ao último rei de Portugal!
Fiquei sentado nas escadas durante um tempo. Que sentido tinha tudo aquilo?

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Reflexões injustificáveis e um pouco insípidas.



Nacionalismo:


Uma maneira de negar a própria cultura e o próprio valor convertendo-os num culto. Culto que pode ter elementos religiosos ou seculares. Se deparamos na formação da palavra “nação” vemos que faz referência ao natural e o natal, aquilo que o nacionalismo não é, pois se trata de uma abstração sentimental que amiúde não compreende a gênese e os sentidos da sua própria cultura. Neste sentido diria que o nacionalismo é o inimigo da nação, homogeneizando e nivelando as diferenças e pretendendo uma unidade onde há diferentes fios de diversas urdimes da história. Se bem se poderiam fazer matizes, incluo aqui todo tipo de nacionalismos.

Cultura:

Um meio para o desenvolvimento humano, para poder alcançar a sua superação ética. Que é um meio é exatamente isso: um instrumento para a modelação humana. Significa que a qualidade humana e o caráter das populações envolvidas tece durante gerações um propósito que vai além da simples adaptação ao meio em contra do que muitos antropólogos acreditam. A língua e as suas significações originárias são uns dos testemunhos mais valiosos de este propósito que tem uma Origem extradimensional. Os mitos, os contos e os elementos do “folklore” mostram isto com suficiente nitidez. A cultura é a preparação da planta humana e o apego ás suas manifestações externas um sintoma de decadência e de mau funcionamento da mesma, o que dá lugar a seres humanos que desconhecem o sentido da sua própria existência.

Interdependência:

O próprio lugar da autonomia e a independência. O paradoxo é que a nossa independência é correlativa do fluxo de interrelações que possamos manter. A mais interconexões mais independência. Trata-se de uma lei que põe em jogo outra: dar e tomar. Saber dar e saber tomar são parte de um mesmo processo. Não podemos dar se não sabemos tomar. Isto é também uma vacina contra os fundamentalismos identitários de todo tipo.

Política:

Um elemento essencial da filosofia, e cujo propósito está perfeitamente exprimido na Politeía platónica. A Politeía de Platão não mostra um ideal utópico tal e como habitualmente se compreende. Mostra o real e o contemporâneo, a função do conhecimento real. Platão nunca pretendeu fazer esse "estado" na terra, só mostrar o modelo do que já era. O diálogo é  uma pedagogia para conduzir e ajudar a outros na compreensão do Real. Por exemplo, a ideia de que as crianças fossem educadas pela  Cidade significa o desapego que os seres humanos têm que desenvolver com respeito ao sentido da Verdade e Justiça no âmbito do conhecimento real. Esta mesma ideia podia ser chocante para uma sociedade fundada nos apegos familiares  e nos interesses da tribo ou do clã, mas necessária para um sentido equânime do governo e da purificação emocional precisa para alcançar a verdade que,obviamente,  Platão tem em conta no caso dos seus receptores.
Numa certa altura, na República, Glauco diz:

- Mas isto não se pode levar á prática.

Ao que Sócrates responde:

- Meu querido Glauco,  sabes o que significa "prática"?

E é claro que Glauco não sabia.


Significação:

Uma mensagem de uma terra remota.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Diálogo da avó e a neta

A anciã estava sentada sobre a rocha enquanto contemplava o fim da tarde na companhia da sua neta e o seu gato. Perto a sua casa de telhado vermelho, a árvore,  o poço...
Avó- Pensas que há alguma causa que possa explicar o fato de estarmos aqui juntas a contemplar o sol-pôr, a ouvir a passagem do vento, a termos esta conversa?
Neta- Sim, pode que não uma causa mas uma multiplicidade de causas que finalmente explicam o porquê estamos aqui.
Avó- E poderias enunciar alguma?
Neta- Alguma sim,  mas todas é impossível. Por exemplo, segundo Aristóteles, haveria quatro tipos de causas. A causa eficiente, neste caso, poderia ser o nosso desejo de estarmos aqui. Este desejo, por sua vez, dá lugar ao nosso encontro.
Avó- Mas Aristóteles fala, se não me engano, de uma causa final. Qual seria a finalidade de estarmos aqui? Por outro lado, ocorre-se-me pensar que a causa eficiente que apontas poderia ter, pela sua vez, outra causa. E qual seria essa causa?
Neta- Pode que a finalidade seja o estarmos aqui, sem mais considerações. Ou pode que a finalidade seja que obtenhamos mais sabedoria. Pode que haja uma finalidade que desconhecemos. Quanto á causa da causa eficiente poderia ser motivada por uma outra causa como uma sustância química que se ativa no nosso cérebro. Enfim, poderíamos continuar.
Avó- Sim, poderíamos  continuar até os princípios mesmos do universo porque para que tu e eu estejamos aqui a conversar tiveram que dar-se toda uma serie infinita  (ou incomensuravelmente finita) de causas que nos fazem estar (e ser!) aqui. Em que outro filósofo nos poderíamos apoiar para dizer isto?
Neta- Foi Leibniz o que dizia que havia uma razão suficiente dentro de um infinito de causas e condições que explicavam o que acontecia. Desde este ponto de vista não existe o acaso mas uma ignorância sobre correlação dos acontecimentos.
Avó- O estranho é que agora que desenrolamos com bastante convicção  a conexão das causas há uma ideia que não me abandona. A questão é como algo pode ser causa de outra cousa. Aparentemente os acontecimentos passam-se precedidos de outros anteriores ao que chamamos causas mas o problema é explicar de que jeito isso acontece.
Neta- Não entendo muito bem o que queres dizer.
Avó- Lembras aquela vez que fomos  ver A Flauta mágica?
Neta- Perfeitamente.
 Avó- Então mantivemos uma conversa no café perto do teatro, acho que se chamava Papageno o café. Lembras?
Neta- Oh, claro. Lá havia um homem velho, muito simpático. Tinha aspecto de camponês. Lembro que conversamos com ele por um bom pedaço... e também como foi ridiculizado com certa ironia por um professor da universidade.
Avó- Aquilo fez-me sentir vergonha alheia. Não posso nem lembra-lo. Aquele velho homem era encantador. Nada resulta mais duro do que ver o uso presunçoso do conhecimento típico de muitos eruditos.  Tinha sido até caçador de feras no Amazonas e lembras a sua teoria sobre a origem da vida?
Neta- Teoria é muito dizer. Ele tinha utilizado a expressão “fermentação”. Um processo material de “fermentação” do que surgiram as primeiras atividades biológicas. O professor começou a rir ás escâncaras, dizendo que aquilo era acreditar na “geração espontânea”.
Avó- A isso vou. Qual é a teoria sobre a origem da vida que defendem os cientistas?. Uma serie de interações do mundo físico e químico que formaram uma sopa primigénia, e de aí, não se sabe muito bem como, surgiu a vida. Qual é a diferença entre o camponês e o erudito?
Neta- A diferença é que o camponês era um homem muito mais sábio, tinha sentido do humor, sabia contar histórias, brincava com as palavras e nós estávamos encantadas de conversar com ele. O professor podia ser agradável e inteligente mas no fim uma  começava a inquietar-se e queria ir-se embora. Falar com ele implicava certa tensão.
Avó- Exatamente. Em termos reais o professor não sabia muito mais que o camponês. Só cria saber mais porque assim foi adestrado. Foi ensinado a pensar que se pode dar uma descrição detalhada de relações, que se pode explicar mais especificamente as cousas tem um saber mais essencial. Poderia ser assim mas não era no seu caso porque ele achava que isso lhe permitia zombar do camponês sem compreender que compartilhavam a mesma visão, uma visão comum. O professor não compreendia que acreditava numa “geração espontânea” um pouco mais sofisticada. Pode que se aplicássemos a “Navalha de Ockham” o camponês saísse melhor parado.
Neta-  Mas nós gostávamos de estar com o camponês e não com o professor!
Avó-  Era um camponês de um belos olhos azuis! Tinha uma voz grave e melodiosa! E a sua teoria da fermentação baseava-se na sua experiência empírica na produção de vinho!. Que melhor amigo que esse!
Neta- Avó!!!
Avó- Mas voltemos ao tema!. A questão era como uma cousa pode dar lugar a outra, não é? O certo é que o que podemos comprovar é uma concorrência de fatos mas não que uma cousa seja causa inerente  de outra. Quando remetemos toda uma série de causas no tempo a um suposto estado originário o problema reaparece. Como surgiu o primeiro fato que vai, por sua vez, ser causa de outros fatos? O nosso pensamento acredita que se uma questão a pode dilatar no tempo e no espaço pode explicar os saltos qualitativos melhor. Mas só é uma ilusão óptica . É como se um problema o tivéssemos mais longe. Deixa de ser tanto problema. Mas é uma ilusão perceptiva. Desde este ponto de vista o aqui e o agora é tão inexplicável como o primeiro momento do Big-Bang.
Neta- Já te contei que li um livro de Stephen Hawking onde depois de descrever todas as teorias da cosmologia moderna chega á conclusão de que possivelmente o Big Bang surgiu do nada?
Avó- É como quando um mago tira um coelho de um chapéu. No caso da ciência esse coelho ainda tarda uns quanto milhões de anos em chegar a ser mas essa potente magia do espaço-tempo ainda impressiona mais...Como o mago não se esqueceu em tanto tempo de que ia tirar um coelho!
Neta- Por certo, que o que dizes da causalidade lembra-me Hume. Ele falava da causalidade como um fato psicológico não como um fato empírico.
Avó- Trata-se de uma condição de certos estados mentais em que nos desenvolvemos. Como quando compreendemos o tempo como mera sucessão. É só uma imagem. E hoje sabemos que o tempo é dependente da velocidade que por sua vez é dependente de uma consciência que tome conta. Sem consciência como poderia haver tempo?
O gato estava sobre o colo da anciã, desajeitado sobre a suas pernas . As nuvens avermelhadas eram fios que se recolhiam no novelo do sol-pôr. A brisa era suave e cálida. Houve um longo silêncio entre a neta e a avó.
Neta- Sabes, avó? Gosto de estar ao teu lado. Gosto de estar contigo! Isso é tudo.
Avó- Eu também, minha filha,  simplesmente, isso é tudo.
A avó e a neta sorriram como fazem as mulheres, de aquela maneira que as mulheres sabem. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Excepto sabedoria têm de tudo!


No esplendor do Império Britânico, em plena época vitoriana, o político mostrava ao velho sábio dos persas a grandeza militar e a disciplina dos soldados britânicos, exibindo-se, mostrando a superioridade, o poder desta raça predestinada a comandar o mundo. 
O velho sábio olhou com interesse, pousando os seus olhos vagarosamente no espetáculo. Ficou em silêncio. O político parecia impaciente, como esperando um comentário de assombro, de reconhecimento da superioridade da sua cultura. Finalmente não foi capaz de se conter:

- E bem, que acha? Não lhe parece extraordinário?

- Extraordinário, impressionante... excepto sabedoria têm de tudo! - retorquiu o velho.

A frase foi motivo de piadas e chegou a ser como um santo-e-senha durante gerações. Chegou até mim. Não direi agora como mas é o motivo deste comentário, que abre este blogue, porque infelizmente a ironia do sábio é tristemente atual. O caso é que o que era certo há cem anos continua ainda mais certo agora...até certo ponto.

A crise social, económica e educativa é uma crise civilizacional e a razão é muito simples: não há um conhecimento autêntico sobre o ser humano, o seu propósito no planeta, a razão da sua existência. Uma sociedade desvinculada de qualquer propósito superior tal e como foi exprimido ao longo de todas as civilizações existentes até a época moderna é uma sociedade que não sabe porque esta a fazer o que faz. Qual é o propósito de tudo isto? Um vago voluntarismo, um optimismo superficial ou uma ideologia do "tudo bem, confie" não pode substituir o conhecimento preciso, a mestria procedente da sabedoria essencial da raça humana, que não depende de cátedras e universidades mas da realidade mesma. Porque seria irónico que a ignorância comandasse a realidade. Isto só é assim em realação ao grau da nossa ignorância. Realmente a nossa ignorância nos faz escravos. Platão expunha no Teeteto como em todas as actividades humanas havia sempre um grau superior a desenvolver, uma mestria realizada, e que seria paradoxal não o considerar assim com respeito ao "Logos". Mas é um conhecimento que escapa á razão racionalista. Mas é essencial e sem ele a degenerescência é inevitável.

Existem tradicionalmente três níveis de conhecimento interligado mas dependente hierarquicamente: pedagogia, paideia e anagogia. Isto foi assim na  tradição ocidental até a modernidade. Conhecido como os três domínios ou os três níveis de motivação noutras tradições. Em relação com este conhecimento, o que comummente se denomina conhecimento é mais um impedimento do que um avanço. Tal é como se falou ao princípio, a comprensão do porquê e o para que do que a sociedade ou a cultura realiza não pode ser justificado realmente pelo que é preciso aderir a diferentes crenças ideológicas que dam sentido a essa carência de sentido. Estas crenças económicas, políticas, ideológicas ou religiosas são algo falso e por isso precisam de adoutrinamento, compromiso e esforços contínuos de alimentação por diversos meios. O imperador está nu, e só um esforço titânico de sucedâneos e pressões pode manter uma hegemonia que basicamente é fraca e artificiosa. O estranho é que a maior parte das pessoas, de alguma maneira, sabe isto mas fica paralisada pelo medo. E continua como se não soubesse o que de fato sabe. Assim de simples .

De modo que, socraticamente, poderiamos compreender que realmente não sabemos. E este sim é um bom princípio que não deveria pôr em pânico a ninguém excepto que seja um político ou um professor ou um pai ou um aluno ou, quiçá, um ser humano que precisa enfrentar a vida aparentando que sabe..porque, enfim, meu filho ...temos que viver. Estranha forma de vida!