domingo, 22 de fevereiro de 2015

Reflexões injustificáveis e um pouco insípidas.



Nacionalismo:


Uma maneira de negar a própria cultura e o próprio valor convertendo-os num culto. Culto que pode ter elementos religiosos ou seculares. Se deparamos na formação da palavra “nação” vemos que faz referência ao natural e o natal, aquilo que o nacionalismo não é, pois se trata de uma abstração sentimental que amiúde não compreende a gênese e os sentidos da sua própria cultura. Neste sentido diria que o nacionalismo é o inimigo da nação, homogeneizando e nivelando as diferenças e pretendendo uma unidade onde há diferentes fios de diversas urdimes da história. Se bem se poderiam fazer matizes, incluo aqui todo tipo de nacionalismos.

Cultura:

Um meio para o desenvolvimento humano, para poder alcançar a sua superação ética. Que é um meio é exatamente isso: um instrumento para a modelação humana. Significa que a qualidade humana e o caráter das populações envolvidas tece durante gerações um propósito que vai além da simples adaptação ao meio em contra do que muitos antropólogos acreditam. A língua e as suas significações originárias são uns dos testemunhos mais valiosos de este propósito que tem uma Origem extradimensional. Os mitos, os contos e os elementos do “folklore” mostram isto com suficiente nitidez. A cultura é a preparação da planta humana e o apego ás suas manifestações externas um sintoma de decadência e de mau funcionamento da mesma, o que dá lugar a seres humanos que desconhecem o sentido da sua própria existência.

Interdependência:

O próprio lugar da autonomia e a independência. O paradoxo é que a nossa independência é correlativa do fluxo de interrelações que possamos manter. A mais interconexões mais independência. Trata-se de uma lei que põe em jogo outra: dar e tomar. Saber dar e saber tomar são parte de um mesmo processo. Não podemos dar se não sabemos tomar. Isto é também uma vacina contra os fundamentalismos identitários de todo tipo.

Política:

Um elemento essencial da filosofia, e cujo propósito está perfeitamente exprimido na Politeía platónica. A Politeía de Platão não mostra um ideal utópico tal e como habitualmente se compreende. Mostra o real e o contemporâneo, a função do conhecimento real. Platão nunca pretendeu fazer esse "estado" na terra, só mostrar o modelo do que já era. O diálogo é  uma pedagogia para conduzir e ajudar a outros na compreensão do Real. Por exemplo, a ideia de que as crianças fossem educadas pela  Cidade significa o desapego que os seres humanos têm que desenvolver com respeito ao sentido da Verdade e Justiça no âmbito do conhecimento real. Esta mesma ideia podia ser chocante para uma sociedade fundada nos apegos familiares  e nos interesses da tribo ou do clã, mas necessária para um sentido equânime do governo e da purificação emocional precisa para alcançar a verdade que,obviamente,  Platão tem em conta no caso dos seus receptores.
Numa certa altura, na República, Glauco diz:

- Mas isto não se pode levar á prática.

Ao que Sócrates responde:

- Meu querido Glauco,  sabes o que significa "prática"?

E é claro que Glauco não sabia.


Significação:

Uma mensagem de uma terra remota.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Diálogo da avó e a neta

A anciã estava sentada sobre a rocha enquanto contemplava o fim da tarde na companhia da sua neta e o seu gato. Perto a sua casa de telhado vermelho, a árvore,  o poço...
Avó- Pensas que há alguma causa que possa explicar o fato de estarmos aqui juntas a contemplar o sol-pôr, a ouvir a passagem do vento, a termos esta conversa?
Neta- Sim, pode que não uma causa mas uma multiplicidade de causas que finalmente explicam o porquê estamos aqui.
Avó- E poderias enunciar alguma?
Neta- Alguma sim,  mas todas é impossível. Por exemplo, segundo Aristóteles, haveria quatro tipos de causas. A causa eficiente, neste caso, poderia ser o nosso desejo de estarmos aqui. Este desejo, por sua vez, dá lugar ao nosso encontro.
Avó- Mas Aristóteles fala, se não me engano, de uma causa final. Qual seria a finalidade de estarmos aqui? Por outro lado, ocorre-se-me pensar que a causa eficiente que apontas poderia ter, pela sua vez, outra causa. E qual seria essa causa?
Neta- Pode que a finalidade seja o estarmos aqui, sem mais considerações. Ou pode que a finalidade seja que obtenhamos mais sabedoria. Pode que haja uma finalidade que desconhecemos. Quanto á causa da causa eficiente poderia ser motivada por uma outra causa como uma sustância química que se ativa no nosso cérebro. Enfim, poderíamos continuar.
Avó- Sim, poderíamos  continuar até os princípios mesmos do universo porque para que tu e eu estejamos aqui a conversar tiveram que dar-se toda uma serie infinita  (ou incomensuravelmente finita) de causas que nos fazem estar (e ser!) aqui. Em que outro filósofo nos poderíamos apoiar para dizer isto?
Neta- Foi Leibniz o que dizia que havia uma razão suficiente dentro de um infinito de causas e condições que explicavam o que acontecia. Desde este ponto de vista não existe o acaso mas uma ignorância sobre correlação dos acontecimentos.
Avó- O estranho é que agora que desenrolamos com bastante convicção  a conexão das causas há uma ideia que não me abandona. A questão é como algo pode ser causa de outra cousa. Aparentemente os acontecimentos passam-se precedidos de outros anteriores ao que chamamos causas mas o problema é explicar de que jeito isso acontece.
Neta- Não entendo muito bem o que queres dizer.
Avó- Lembras aquela vez que fomos  ver A Flauta mágica?
Neta- Perfeitamente.
 Avó- Então mantivemos uma conversa no café perto do teatro, acho que se chamava Papageno o café. Lembras?
Neta- Oh, claro. Lá havia um homem velho, muito simpático. Tinha aspecto de camponês. Lembro que conversamos com ele por um bom pedaço... e também como foi ridiculizado com certa ironia por um professor da universidade.
Avó- Aquilo fez-me sentir vergonha alheia. Não posso nem lembra-lo. Aquele velho homem era encantador. Nada resulta mais duro do que ver o uso presunçoso do conhecimento típico de muitos eruditos.  Tinha sido até caçador de feras no Amazonas e lembras a sua teoria sobre a origem da vida?
Neta- Teoria é muito dizer. Ele tinha utilizado a expressão “fermentação”. Um processo material de “fermentação” do que surgiram as primeiras atividades biológicas. O professor começou a rir ás escâncaras, dizendo que aquilo era acreditar na “geração espontânea”.
Avó- A isso vou. Qual é a teoria sobre a origem da vida que defendem os cientistas?. Uma serie de interações do mundo físico e químico que formaram uma sopa primigénia, e de aí, não se sabe muito bem como, surgiu a vida. Qual é a diferença entre o camponês e o erudito?
Neta- A diferença é que o camponês era um homem muito mais sábio, tinha sentido do humor, sabia contar histórias, brincava com as palavras e nós estávamos encantadas de conversar com ele. O professor podia ser agradável e inteligente mas no fim uma  começava a inquietar-se e queria ir-se embora. Falar com ele implicava certa tensão.
Avó- Exatamente. Em termos reais o professor não sabia muito mais que o camponês. Só cria saber mais porque assim foi adestrado. Foi ensinado a pensar que se pode dar uma descrição detalhada de relações, que se pode explicar mais especificamente as cousas tem um saber mais essencial. Poderia ser assim mas não era no seu caso porque ele achava que isso lhe permitia zombar do camponês sem compreender que compartilhavam a mesma visão, uma visão comum. O professor não compreendia que acreditava numa “geração espontânea” um pouco mais sofisticada. Pode que se aplicássemos a “Navalha de Ockham” o camponês saísse melhor parado.
Neta-  Mas nós gostávamos de estar com o camponês e não com o professor!
Avó-  Era um camponês de um belos olhos azuis! Tinha uma voz grave e melodiosa! E a sua teoria da fermentação baseava-se na sua experiência empírica na produção de vinho!. Que melhor amigo que esse!
Neta- Avó!!!
Avó- Mas voltemos ao tema!. A questão era como uma cousa pode dar lugar a outra, não é? O certo é que o que podemos comprovar é uma concorrência de fatos mas não que uma cousa seja causa inerente  de outra. Quando remetemos toda uma série de causas no tempo a um suposto estado originário o problema reaparece. Como surgiu o primeiro fato que vai, por sua vez, ser causa de outros fatos? O nosso pensamento acredita que se uma questão a pode dilatar no tempo e no espaço pode explicar os saltos qualitativos melhor. Mas só é uma ilusão óptica . É como se um problema o tivéssemos mais longe. Deixa de ser tanto problema. Mas é uma ilusão perceptiva. Desde este ponto de vista o aqui e o agora é tão inexplicável como o primeiro momento do Big-Bang.
Neta- Já te contei que li um livro de Stephen Hawking onde depois de descrever todas as teorias da cosmologia moderna chega á conclusão de que possivelmente o Big Bang surgiu do nada?
Avó- É como quando um mago tira um coelho de um chapéu. No caso da ciência esse coelho ainda tarda uns quanto milhões de anos em chegar a ser mas essa potente magia do espaço-tempo ainda impressiona mais...Como o mago não se esqueceu em tanto tempo de que ia tirar um coelho!
Neta- Por certo, que o que dizes da causalidade lembra-me Hume. Ele falava da causalidade como um fato psicológico não como um fato empírico.
Avó- Trata-se de uma condição de certos estados mentais em que nos desenvolvemos. Como quando compreendemos o tempo como mera sucessão. É só uma imagem. E hoje sabemos que o tempo é dependente da velocidade que por sua vez é dependente de uma consciência que tome conta. Sem consciência como poderia haver tempo?
O gato estava sobre o colo da anciã, desajeitado sobre a suas pernas . As nuvens avermelhadas eram fios que se recolhiam no novelo do sol-pôr. A brisa era suave e cálida. Houve um longo silêncio entre a neta e a avó.
Neta- Sabes, avó? Gosto de estar ao teu lado. Gosto de estar contigo! Isso é tudo.
Avó- Eu também, minha filha,  simplesmente, isso é tudo.
A avó e a neta sorriram como fazem as mulheres, de aquela maneira que as mulheres sabem. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Excepto sabedoria têm de tudo!


No esplendor do Império Britânico, em plena época vitoriana, o político mostrava ao velho sábio dos persas a grandeza militar e a disciplina dos soldados britânicos, exibindo-se, mostrando a superioridade, o poder desta raça predestinada a comandar o mundo. 
O velho sábio olhou com interesse, pousando os seus olhos vagarosamente no espetáculo. Ficou em silêncio. O político parecia impaciente, como esperando um comentário de assombro, de reconhecimento da superioridade da sua cultura. Finalmente não foi capaz de se conter:

- E bem, que acha? Não lhe parece extraordinário?

- Extraordinário, impressionante... excepto sabedoria têm de tudo! - retorquiu o velho.

A frase foi motivo de piadas e chegou a ser como um santo-e-senha durante gerações. Chegou até mim. Não direi agora como mas é o motivo deste comentário, que abre este blogue, porque infelizmente a ironia do sábio é tristemente atual. O caso é que o que era certo há cem anos continua ainda mais certo agora...até certo ponto.

A crise social, económica e educativa é uma crise civilizacional e a razão é muito simples: não há um conhecimento autêntico sobre o ser humano, o seu propósito no planeta, a razão da sua existência. Uma sociedade desvinculada de qualquer propósito superior tal e como foi exprimido ao longo de todas as civilizações existentes até a época moderna é uma sociedade que não sabe porque esta a fazer o que faz. Qual é o propósito de tudo isto? Um vago voluntarismo, um optimismo superficial ou uma ideologia do "tudo bem, confie" não pode substituir o conhecimento preciso, a mestria procedente da sabedoria essencial da raça humana, que não depende de cátedras e universidades mas da realidade mesma. Porque seria irónico que a ignorância comandasse a realidade. Isto só é assim em realação ao grau da nossa ignorância. Realmente a nossa ignorância nos faz escravos. Platão expunha no Teeteto como em todas as actividades humanas havia sempre um grau superior a desenvolver, uma mestria realizada, e que seria paradoxal não o considerar assim com respeito ao "Logos". Mas é um conhecimento que escapa á razão racionalista. Mas é essencial e sem ele a degenerescência é inevitável.

Existem tradicionalmente três níveis de conhecimento interligado mas dependente hierarquicamente: pedagogia, paideia e anagogia. Isto foi assim na  tradição ocidental até a modernidade. Conhecido como os três domínios ou os três níveis de motivação noutras tradições. Em relação com este conhecimento, o que comummente se denomina conhecimento é mais um impedimento do que um avanço. Tal é como se falou ao princípio, a comprensão do porquê e o para que do que a sociedade ou a cultura realiza não pode ser justificado realmente pelo que é preciso aderir a diferentes crenças ideológicas que dam sentido a essa carência de sentido. Estas crenças económicas, políticas, ideológicas ou religiosas são algo falso e por isso precisam de adoutrinamento, compromiso e esforços contínuos de alimentação por diversos meios. O imperador está nu, e só um esforço titânico de sucedâneos e pressões pode manter uma hegemonia que basicamente é fraca e artificiosa. O estranho é que a maior parte das pessoas, de alguma maneira, sabe isto mas fica paralisada pelo medo. E continua como se não soubesse o que de fato sabe. Assim de simples .

De modo que, socraticamente, poderiamos compreender que realmente não sabemos. E este sim é um bom princípio que não deveria pôr em pânico a ninguém excepto que seja um político ou um professor ou um pai ou um aluno ou, quiçá, um ser humano que precisa enfrentar a vida aparentando que sabe..porque, enfim, meu filho ...temos que viver. Estranha forma de vida!