domingo, 8 de fevereiro de 2015

Excepto sabedoria têm de tudo!


No esplendor do Império Britânico, em plena época vitoriana, o político mostrava ao velho sábio dos persas a grandeza militar e a disciplina dos soldados britânicos, exibindo-se, mostrando a superioridade, o poder desta raça predestinada a comandar o mundo. 
O velho sábio olhou com interesse, pousando os seus olhos vagarosamente no espetáculo. Ficou em silêncio. O político parecia impaciente, como esperando um comentário de assombro, de reconhecimento da superioridade da sua cultura. Finalmente não foi capaz de se conter:

- E bem, que acha? Não lhe parece extraordinário?

- Extraordinário, impressionante... excepto sabedoria têm de tudo! - retorquiu o velho.

A frase foi motivo de piadas e chegou a ser como um santo-e-senha durante gerações. Chegou até mim. Não direi agora como mas é o motivo deste comentário, que abre este blogue, porque infelizmente a ironia do sábio é tristemente atual. O caso é que o que era certo há cem anos continua ainda mais certo agora...até certo ponto.

A crise social, económica e educativa é uma crise civilizacional e a razão é muito simples: não há um conhecimento autêntico sobre o ser humano, o seu propósito no planeta, a razão da sua existência. Uma sociedade desvinculada de qualquer propósito superior tal e como foi exprimido ao longo de todas as civilizações existentes até a época moderna é uma sociedade que não sabe porque esta a fazer o que faz. Qual é o propósito de tudo isto? Um vago voluntarismo, um optimismo superficial ou uma ideologia do "tudo bem, confie" não pode substituir o conhecimento preciso, a mestria procedente da sabedoria essencial da raça humana, que não depende de cátedras e universidades mas da realidade mesma. Porque seria irónico que a ignorância comandasse a realidade. Isto só é assim em realação ao grau da nossa ignorância. Realmente a nossa ignorância nos faz escravos. Platão expunha no Teeteto como em todas as actividades humanas havia sempre um grau superior a desenvolver, uma mestria realizada, e que seria paradoxal não o considerar assim com respeito ao "Logos". Mas é um conhecimento que escapa á razão racionalista. Mas é essencial e sem ele a degenerescência é inevitável.

Existem tradicionalmente três níveis de conhecimento interligado mas dependente hierarquicamente: pedagogia, paideia e anagogia. Isto foi assim na  tradição ocidental até a modernidade. Conhecido como os três domínios ou os três níveis de motivação noutras tradições. Em relação com este conhecimento, o que comummente se denomina conhecimento é mais um impedimento do que um avanço. Tal é como se falou ao princípio, a comprensão do porquê e o para que do que a sociedade ou a cultura realiza não pode ser justificado realmente pelo que é preciso aderir a diferentes crenças ideológicas que dam sentido a essa carência de sentido. Estas crenças económicas, políticas, ideológicas ou religiosas são algo falso e por isso precisam de adoutrinamento, compromiso e esforços contínuos de alimentação por diversos meios. O imperador está nu, e só um esforço titânico de sucedâneos e pressões pode manter uma hegemonia que basicamente é fraca e artificiosa. O estranho é que a maior parte das pessoas, de alguma maneira, sabe isto mas fica paralisada pelo medo. E continua como se não soubesse o que de fato sabe. Assim de simples .

De modo que, socraticamente, poderiamos compreender que realmente não sabemos. E este sim é um bom princípio que não deveria pôr em pânico a ninguém excepto que seja um político ou um professor ou um pai ou um aluno ou, quiçá, um ser humano que precisa enfrentar a vida aparentando que sabe..porque, enfim, meu filho ...temos que viver. Estranha forma de vida!

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